Emigrante e Imigrante


Antes de qualquer coisa, sabe qual é a diferença entre Emigrante e Imigrante? É tudo uma questão de referencial.

O emigrante é aquele indivíduo que sai de seu país e vai para um outro. Mas isto também é um imigrante! Só que o indivíduo é emigrante para seus conterrâneos. Já o mesmo indivíduo é imigrante para os nativos do país estrangeiro no qual vive. Ou seja, um brasileiro deve referir-se a mim como Emigrante, pois em relação a ele é isto que sou. Já um português deve referir-se a mim como Imigrante, pois no país dele, e portanto, para ele, é isto que sou. Simples assim, mas muitos confundem. Já vi estes termos serem usados de forma inadequada até em jornais super respeitados! Mais atenção, por favor.

Resolvi falar em emigrante e imigrante, por uma razão mais que óbvia: eu sou Emigrante (ou imigrante, se você não é do Brasil).  Os termos emigrante e imigrante só ganham sentido a partir do momento que consideramos a existência dos estados nacionais (popularmente chamados de países). Antes da existência dos estados nacionais como os conhecemos hoje, não existiam fronteiras internacionais, legislação, e tudo mais que acaba por diferenciar o cidadão local daquele que vem de longe. Lógico que o que vinha de longe sempre era um estranho, mas o estranho passou a ser estrangeiro, sem deixar de ser estranho. Afinal, estranho e estrangeiro são sinônimos, a diferença é também uma questão de referencial.

Se voltássemos no tempo e analisássemos o povoamento de praticamente todos os países do mundo, não teria um que não fosse formado por uma massa de imigrantes oriundos de lugares diversos. O Brasil, além da tradicional e conveniente divisão das três raças formadoras (branca, negra e índia), recebeu gentes de tantos lugares diferentes, que até torna-se difícil classificar a raça ou etnia da grande maioria dos tupiniquins. Afinal, existe no Brasil, alguém que possa afirmar com certeza absoluta que não é mestiço? Mestiço mesmo, de branco com branco, de negro com negro, de índio com índio, de branco com negro, de negro com índio… as opções são muitas. Lembro com isto que o Brasil foi um dos países que mais recebeu imigrantes nos últimos dois séculos (sem contar os que chegaram antes da formação de um estado nacional chamado Brasil, enquanto ainda éramos colônia portuguesa). Tentaram em vão branquear a “raça” brasileira entre fins do século XIX e princípios do XX e, no final das contas, só conseguiram diversificar mais ainda a nossa etnicidade.

Mas desde os anos 90, um dos países que mais recebeu imigrantes começou a exportá-los (ou, a ter um movimento emigratório). E desde então, estamos no estrangeiro, em torno de 5 milhões de brasileiros, com filhos, cônjuges, empregos ou negócios, casas, etc., uma vida enfim. Nem por isto deixamos de ser brasileiros, de continuar tendo alguma ligação, ainda que tênue com o Brasil.

Creio que é quando se vive no estrangeiro, que o brasileiro começa a ver o que o torna realmente brasileiro. Ao menos eu percebi desta forma. Só aqui fora é que tomei consciência do que em meu comportamento, idéias, costumes, caracterizam-me enquanto brasileira. Pois foi aqui no estrangeiro que deixei de ser uma pessoa a mais entre milhões de outras e tornei-me “a brasileira”, ou uma brasileira a mais entre tantas, diferente pelo modo de falar, vestir, pensar, de ser. Não tenho nome, sou a brasileira, não tenho profissão, sou a brasileira, não tenho nada a não ser a nacionalidade. Não é um choramingo não, é que aqui o tempo todo, todo o mundo, primeiro vê que é uma brasileira, depois como uma brasileira, só muito depois, é que você ganha alguma existência além da nacionalidade, e ainda assim, a duras penas.

Vivendo aqui em Portugal, tive minhas experiências com os nativos, que mostram como me enxergam – permanente e irremediavelmente como estrangeira. Logo que cheguei ouvia muito o discurso “espanta imigrante”, baseado na tentativa de mostrar ao imigrante que ele não deveria estar aqui, com frases básicas e quase idênticas de nativos que dizem que tudo vai mal, tudo é ruim, que “o melhor é voltar pra tua terra”. Passado algum tempo, quando vêem que a pessoa já está aqui há mais tempo, o discurso passa a ser “jamais irei ao Brasil, é muito violento”, ou “há muita pobreza”, ou “são analfabetos, mortos de fome”… Só se esquecem de parar e pensar se por um acaso “nós lá queremos saber o que eles pensam do que não conhecem?”. Que fique claro, isto não são todos nem é em todo lugar. É apenas uma pequena amostra do quanto no estrangeiro não temos como fugir daquilo que somos: emigrados, emigrantes, imigrantes, estrangeiros, brasileiros. Os estereótipos foram criados, e temos que conviver com eles.

Mas os que ficam também começam a tratar-nos como estranhos. Somos apartados na terra onde aportamos e somos rejeitados na terra onde nascemos. É curioso ver comentários, insinuações, julgando o emigrante por ter saído do Brasil. O emigrante é o “traidor da Pátria”, é aquele que saiu do país porque era um incompetente que não servia para nada. Se for mulher, com certeza foi para a prostituição – sempre tem aquela “vizinha” que ficou julgando que a que veio para a Europa trabalha no ramo de diversão de adultos. Há também os que fantasiam que todo emigrante necessariamente está rico, afinal, na Europa todo mundo é rico – e o pobre coitado do emigrante só perde tempo se tentar explicar que as fantasias não passam de fantasias, pois quem nelas crê, acredita que são a verdade absoluta. Se não voltamos logo a passeio para o Brasil exibindo roupas européias, e gastando euros com a família toda e amigos, algo não está bem! É impressionante como vivemos de sonhos…

Mesmo entre os próprios emigrantes há divisões. Estamos aqui em Portugal muitas brasileiras casadas (ou vivendo maritalmente) com portugueses, algumas trabalhando fora de casa, outras criando os filhos e trabalhando na administração da casa e família, outras ainda em vias de legalização através do casamento, etc. Mas há muita gente que está aqui trabalhando, trazendo a família a prestação, numa estadia temporária para voltar um dia, entre outras situações. Já fui rejeitada por brasileiros aqui por viver com um português – e por portugueses por viver com um português! Vai entender o ser humano!

A conclusão a que chego é que sou emigrante e imigrante, estrangeira para os nativos do país onde vivo e tornei-me estranha para os conterrâneos.

Deixando de lado o instinto humano que teima em autorejeitar-se por miudezas, colocamos aqui para terminar este post que não tem fim, o HINO DO EMIGRANTE. Atenção, não é do Imigrante, é do EMIGRANTE!

23 opiniões sobre “Emigrante e Imigrante

  1. Loca!
    Vc escreveu td q senti enquanto morei ai… Me angustia em saber quantas pessoas sentem e vivem isso no dia a dia… como vc…

    Continuo sendo uma imigrante aqui onde estou, mas pelo menos aqui n sou “a brasileira”, sou um ser humano q eles por aqui esperam apenas que vc esteja na “linha” pq de resto eles n se interessam!
    Prefiro ser apenas um rosto estrangeiro mas pelo menos me sinto parte de um todo, pelo menos aqui n me sinto uma “prostituta” só pq troquei a minha vida (q era mto boa!) por estar ao lado de outra pessoa q infelizmente por um acaso da vida é portugues…
    Mas como eu sempre digo… Mas ele n é um portugues… ele nasceu apenas em um país errado! :-P

    bjos grandes

  2. Parabéns pelo artigo, lembrou muitas etapas da minha história.

    Sou Português, nascido em Moçambique, imigrei para Portugal depois da guerra em 1975 e depois para o Brasil aonde cheguei com 11 anos. Passei várias das situações, que relata no seu post, principalmente em Portugal onde as pessoas tem um mente mais tacanha.

    Hoje, 30 e poucos anos depois, sinto-me perfeitamente radicado, sou casado com uma brasileira maravilhosa e ficaram na lembrança as histórias dessas mudanças.

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