Caminho das Índias e o Sistema de Castas Indiano

Ganesh

Graças à novela da Glória Perez, despertou em meu ser uma curiosidade sobre o sistema de castas indiano. Por mais que na novela explicassem as diferentes castas, me parecia vago demais. Lá fui eu atrás de entender melhor esta coisa de casta social tão sem pé nem cabeça para minhas limitações culturais pré-conceituosas.

O sistema de castas começou a ser criado por volta de 2000 a.C., quando a Índia recebeu uma vaga de imigrantes indo-europeus conhecidos como árias. O sistema de castas foi citado pela primeira vez por volta de 600 a.C., no livro sagrado do Hinduísmo.

A primeira divisão da sociedade da atual Índia em castas foi a separação entre Varnas (os árias) dos Dasya (os antigos habitantes). Os imigrantes indo-europeus acabaram por transformar os antigos ocupantes do território em escravos (dasas). Era fácil perceber quem era quem pela cor da pele, pois os nativos eram de pele mais escura. Quer dizer, tudo começou por uma questão de diferenciação racial.

Com o passar do tempo os Varnas foram subdivididos em mais castas, cada uma ligada a uma parte do corpo de Ganesh, o senhor dos obstáculos, o deus mais venerado da religião hindu. Surgiram então quatro castas: os Brahmin (bramanes) que saíram da boca do deus, os Kshatriya que saíram dos braços, os Vaishas que saíram das coxas e os Shudras que saíram dos pés. Fora destas quatro principais e iniciais castas estão os párias, também conhecidos como Dalits. Eles não pertenceriam a casta alguma porque saíram da poeira dos pés de Ganesh. Eles originaram-se dos membros das outras castas, mas por violarem alguma regra de suas respectivas castas ficaram simplesmente sem casta. Seus descendentes estão condenados a continuarem párias. Precisam pagar por seus pecados, pois se nasceram párias é porque têm muitos pecados para purgar.

A crença na reencarnação é uma das características da religião hindu. Em cada reencarnação o indivíduo teria a possibilidade de evoluir e nascer em uma casta superior na encarnação seguinte.

As castas são um grau social hereditário, herdado dos pais e que será transmitido aos filhos. Não importa o que a pessoa faça, nunca mudará de casta, talvez em uma próxima encarnação. Os Bramanes são 15% da população (sacerdotes e professores), sendo responsáveis pelas cerimônias religiosas e transmissão do conhecimento. Os Kshatriya são responsáveis pela política e exército mas dependem do que os brâmanes determinam. Os Vaishas são comerciantes e agricultores. Os Shudras são os trabalhadores braçais (fabris, artesãos, camponeses), que só há pouco tempo passaram a ter acesso à sabedoria hindu. Os Dalits continuam à margem e fazem o trabalho sujo: limpar a sujeira, recolher lixo, varrer ruas, carregar os mortos, etc. Este último grupo representa cerca de 18% da população. Na verdade é quase impossível determinar a população pertencente a cada casta, pois o úlitmo censo feito, considerando a casta, foi nos anos de 1930.

Mas há mais castas, como os Jatis, que não estão ligados propriamente a nenhuma casta. Quer dizer eles não fazem parte do sistema de castas pois não se originaram de nenhuma parte do corpo do deus Ganesh. Exercem profissões liberais que seus pais ou familiares também exerciam. Os povos tribais também formam uma espécie de casta fora do sistema de castas, sendo chamados de Adivasis. Os estrangeiros não são considerados no sistema de castas, mas acabam por formar uma casta à parte, a dos Mechhas. Estes três grupos citados não são castas, não saíram de Ganesh. Porém, por viverem em uma sociedade de castas acabam por tornarem-se uma espécie de casta à parte das castas, já que poderíamos generalizar e chamar de casta qualquer grupo social com algum aspecto comum, não necessariamente vinculado à religião como as quatro castas oficiais.

Mas as divisões continuam, como entre os dalits. Os dalits hindus, budistas e sikhs ainda têm algum amparo da lei, recebendo ajudas estatais garantidas pela Constituição. Já dalits que se converteram ao cristianismo ou islamismo não estão incluídos neste amparo estatal. Em alguns estados indianos existem leis que proíbem que membros de castas inferiores convertam-se a outra religião (uma forma de fuga da marginalidade social).

Há cerca de 8 meses, a justiça indiana deu mostras do quanto o sistema de castas proibido ou não por lei, continua vivo na Índia. Foi suspenso um programa do governo, pela Suprema Corte da Índia, que reservava cotas para estudantes de castas inferiores (os sem casta estavam incluídos nisto). A decisão foi comemorada pelos estudantes de altas castas.

O sistema de castas é proibido por lei desde a Constituição de 1950, mas como provém de uma antiga tradição, baseada em fundamentos religiosos de mais de 3000 anos, continua no dia-a-dia do povo indiano sendo algo sagrado. Nos grandes centros urbanos – mais ocidentalizados – não é tão evidente esta separação da sociedade em castas, sendo mais nítida e tradicionalmente respeitada no meio rural.

Existem atualmente mais de 6000 castas e subcastas na sociedade indiana, nem todas oficialmente reconhecidas. Pela Constituição, todas as castas deveriam ter sido abolidas, mas pela tradição, ao invés de extinguirem-se, multiplicaram-se. Há quem afirme que o fim das castas levaria à extinção de uma cultura milenar única, tornando os indianos só mais um povo aculturado como tantos outros.

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Quer saber mais dos Dalits da novela? Veja:

Dalit Freedom Network

Paraná Online – Índia suspende cotas estudantis para castas inferiores.(29/03/2007)

Rádio Nederland – A difícil vida dos dalits na Índia. (12/11/2008)

Terra – Conversão em massa tenta tirar indianos do sistema de castas. (14/10/2006)